Louvação a Jáder de Carvalho

Por Dimas Macedo 04/12/2019 - 19:29 hs

Se Antônio Sales é o melhor escritor cearense, nos domínios da expressão estética e na agitação da cena literária; Jáder de Carvalho seria o grande intelectual do Ceará, especialmente, como sociólogo e jornalista, mas também como poeta, que se destaca por sua militância política, rara e desenvolta, dentre aqueles que elegeram a Rua e a Praça como tribunas de suas trajetórias.

Primo legítimo de Moreira Campos, o contista maior do Ceará, e genro de Eduardo Saboia (o Brás Tubiba da Padaria Espiritual), Jáder nasceu em Quixadá, em 1901, viveu parte da infância e adolescência em Lavras da Mangabeira e no Iguatu, cidades do interior do Ceará, nas quais o seu pai, Adolfo de Carvalho, se destacou na seara da Educação.

Quando a família migrou para Iguatu levava na bagagem uma velha Tipografia adquirida em Cajazeiras, na Paraíba, ali iniciando-se Jáder nas lides da imprensa numa das regiões mais conturbadas do Ceará, nas primeiras décadas do século passado.

Testemunhou com o senso de intelectual e o coração de poeta as secas de 1915 e 1919, esta última, quando residia em Iguatu. Ali exerceu a profissão de jornalista, em meio a todo um turbilhão, tendo de um lado, os coronéis e os jagunços e, do outro, o misticismo e a miséria, produzidos pela violência da Política.

Em Fortaleza, a partir da década de 1920, mergulhou da formação humanística e anunciou, em 1927, o Canto Novo da Raça, ao lado de poetas como Mozart Firmeza e Sidney Neto, e com jeito de inauguração do Modernismo, em Fortaleza.

Na década de 1930, firmou-se como professor e poeta, estreando como romancista em 1937. Classe Média é o título do seu primeiro romance, mas o que transborda da sua personalidade são as suas qualidades de jornalista e sociólogo, o primeiro e, talvez, o maior de todos os sociólogos, na Terra de Iracema.

Sempre se destacou pela coragem e por sua luta contra a opressão. Foi preso, em diversos momentos, condenado pelo Tribunal de Segurança Nacional, no tempo do Estado Novo, mas sempre que as portas da prisão foram abertas para ele, soberanamente voltou para a praça, fundou jornais como A Esquerda e Diário do Povo, fez a defesa da Cidadania e, no Ceará, foi um dos criadores da Esquerda Democrática.

Eleito Príncipe dos Poetas Cearenses, publicou, na década de 1960, os seus maiores romances: Sua Majestade, o Juiz, em 1961, e Aldeota, em 1963. Estes livros foram confiscados pelo Estado e por setores da elite, queimados em praça pública ou destruídos por figurões da Política e da Sociedade que ali se viram retratados ou imaginados pela força criativa de Jáder de Carvalho.

Dois escritores cearenses (Ângela Barros Leal e João Alfredo Montenegro), em datas diversas, utilizaram as suas escrituras para celebrar a memória de Jáder de Carvalho. Agora, dispomos deste ensaio de Fernando Cézar Macedo, Professor da Universidade de Campinas, em São Paulo, economista e sociólogo de renome, que bracejou, na sua formação, entre o Ceará e as terras capixabas, realizando no Sudeste os seus estudos de pós-graduação.

Pesquisador da Geografia Urbana, Fernando Cézar Macedo volta-se, mais uma vez, para a sua região, conduzido pelo exemplo de Jáder de Carvalho e antenado, como poucos, com a história social e política da terra em que nasceu.

Por conhecer a vida acadêmica de Fernando Cézar e privar da sua convivência, tive a oportunidade de ler a primeira versão de Jáder de Carvalho e o Nordeste (Fortaleza: Edições UECE, 201), surpreendendo-me o autor com o convite para que escrevesse o prefácio desse livro.

Jáder de Carvalho, de forma induvidosa, foi plural na sua condição de ortônimo, e inquieto na profusão de heterônimos que remarcam os gêneros literários nos quais se dividiu, tendo ele afirmado que nunca conseguiu deter os vulcões de sua vida interior, na qual se debatia o militante político de esquerda.

O livro de Fernando Cézar é vigoroso e costurado de rigor acadêmico, porém fácil de ler, nos planos da comunicação e da escrita, nas quais o autor se lastreia. Trata-se de um ensaio contextualizado no tempo e no espaço em que Jáder de Carvalho contou a sua história, inscrevendo o seu nome na vida política do Brasil desde sua atuação do Ceará.

O século XX cearense acha-se retratado na obra de Jáder de Carvalho, e a produção política de Jáder de Carvalho, encontra-se gravada neste livro, onde o autor desvela o ponto de maior destaque de sua trajetória acadêmica.

No livro de Fernando Cézar, o jornalista e o político tomam a boca de cena do teatro, e a literatura e o ensaio aí aparecem com expressões coadjuvantes. A geografia de Jáder de Carvalho e os conflitos políticos da época em que viveu, aí, igualmente, se acham revelados, especialmente, desde a sua expressão regional e dos valores históricos.

Enfim, trata-se de pesquisa de alta qualidade, recortada de achados semânticos, que a enobrecem, e de estilo plural e escorreito, que a justificam e que dão a medida com a qual o autor esgrimiu a sua pena de economista e de professor arguto e inquieto, orgulho de sua família e arauto da vida e da obra de Jáder de Carvalho.