'Brasil vive tempos sombrios', diz Camilo Santana sobre estímulo e participação de Bolsonaro em manifestação antidemocrática

Por Paulo Sergio 04/05/2020 - 10:08 hs

O governador do Ceará, Camilo Santana, usou as redes sociais na tarde deste domingo (3) para criticar o estímulo e a participação e do presidente Jair Bolsonaro em movimentos de aglomeração de pessoas e a agressão de jornalistas em manifestações a favor do governo e de medidas antidemocráticas ocorridas em frente ao Palácio do Planalto, em Brasília.

"Aglomerações estimuladas pelo presidente em meio a uma gravíssima pandemia. Jornalistas agredidos no Dia da Liberdade de Imprensa. O Brasil vive tempos sombrios. Mas este é o momento em que mais precisamos ser fortes, para defender a vida e para lutar pela nossa democracia", declarou Camilo Santana.

Na manhã deste domingo, Jair Bolsonaro esteve presente em ato a favor do governo e de medidas antidemocráticas realizado na Esplanada dos Ministérios, em Brasília. Os manifestantes pediram intervenção militar e fizeram críticas ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), aos ministros do Supremo Tribunal Federal e ao ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro – que acusa o presidente de tentar interferir politicamente na Polícia Federal para proteger familiares.

Em declaração transmitida por live em rede social, Bolsonaro afirmou: "Temos as Forças Armadas ao lado do povo, pela lei, pela ordem, pela democracia, pela liberdade. Nós queremos o melhor para o nosso país. Queremos a independência verdadeira dos três poderes, e não apenas uma letra da Constituição, não queremos isso. Chega de interferência. Não vamos admitir mais interferência. Acabou a paciência. Vamos levar esse Brasil para frente. Acredito no povo brasileiro e nós todos acreditamos no Brasil".


Em Fortaleza, uma carreta na manhã deste domingo realizada por apoiadores do presidente ignorou o decreto estadual que proíbe a aglomeração de pessoas e o funcionamento de comércio durante o período de isolamento social, para diminuir a velocidade de proliferação do novo coronavírus no Ceará. Com buzinaços, os participantes trafegaram próximo a pelo menos dois hospitais da capital, um deles com leitos destinados ao tratamento de pessoas com a Covid-19.

Agressão a jornalistas

A postagem de Camilo também faz referência a agressões sofridas por profissionais da imprensa durante as manifestações supracitadas. Quatro jornalistas foram hostilizados por apoiadores de Jair Bolsonaro.

Um repórter fotográfico do Estado de São Paulo foi derrubado duas vezes, foi chutado e levou murros na barriga. Um motorista do mesmo veículo levou uma rasteira. Um repórter da Folha de São Paulo foi empurrado ao tentar proteger um colega. Um outro jornalista do Poder360 foi agredido verbalmente e levou um chute de um manifestante.

As agressões aconteceram enquanto Bolsonaro descia a ladeira do Planalto para falar com os apoiadores. A polícia conseguiu retirar três dos agredidos do local.

"Limite"

Em discurso aos manifestantes, o presidente – num tom de desafio aos demais poderes – pediu a Deus para não ter problemas nessa semana porque, segundo afirmou, "chegou ao limite". Bolsonaro não esclareceu o que isso significa.

O protesto contra o STF e o Congresso ataca dois pilares do sistema democrático, o que torna fora da lei os pedidos de fechamento. Os atos também criticaram o ex-ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro.

Faixas pediam o fechamento do STF e "intervenção militar com Bolsonaro", o que é considerado apologia contra a democracia e, portanto, ilegal e inconstitucional.

A manifestação começou com uma carreata na Esplanada dos Ministérios e terminou com aglomeração na Praça dos Três Poderes, em frente ao Palácio do Planalto. Bolsonaro foi ao local acompanhado da filha, não usou máscara e transmitiu ao vivo a participação dele, em rede social.

Sem citar diretamente a decisão do ministro do STF Alexandre de Moraes, que suspendeu a nomeação de Alexandre Ramagem para a direção-geral da Polícia Federal, o presidente Jair Bolsonaro disse que "não vai mais admitir interferências".

"Nós queremos o melhor para o nosso país. Queremos a independência verdadeira dos três poderes e não apenas uma letra da Constituição, não queremos isso. Chega interferência. Não vamos admitir mais interferência. Acabou a paciência. Vamos levar esse Brasil para frente."

A decisão do ministro Alexandre de Moraes se baseou em análise prévia de provas que indicaria que a nomeação de Ramagem representava um desvio de finalidade, com o objetivo de interferir em investigações da Polícia Federal.

No discurso, Bolsonaro disse que as Forças Armadas estão com ele e que "chegou ao limite", que "não tem mais conversa' – sem explicitar o que isso significa, e o que pretende fazer caso haja novas decisões judiciais sobre atos da presidência da República considerados ilegais.

"Vocês sabem que o povo está conosco, as Forças Armadas – ao lado da lei, da ordem, da democracia e da liberdade – também estão ao nosso lado, e Deus acima de tudo."

"Vamos tocar o barco. Peço a Deus que não tenhamos problemas nessa semana. Porque chegamos no limite, não tem mais conversa. Tá ok? Daqui para frente, não só exigiremos, faremos cumprir a Constituição. Ela será cumprida a qualquer preço. E ela tem dupla-mão. Não é de uma mão de um lado só não. Amanhã nomeamos novo diretor da PF."

Ao longo da manifestação, Bolsonaro interagiu com os manifestantes. Em vários momentos ele desceu, deu as mãos e cumprimentou as pessoas.

Mais tarde, também permitiu que uma criança, que estava com a máscara no queixo, fosse até a rampa, onde Bolsonaro a pegou no colo.

Ao lado do presidente, estavam deputados federais. Entre eles, o filho Eduardo Bolsonaro (PSL-SP). O presidente voltou a criticar o isolamento e medidas restritivas adotadas por governos locais, uma orientação que é dada pelos órgãos internacionais de saúde.

O Brasil chegou a 97,1 mil casos confirmados da infecção e 6.761 mortes, segundo dados divulgados pelo Ministério da Saúde neste sábado. O número de mortes já ultrapassou os dados de China e Irã.

Repúdio

Em nota, a Federação Nacional dos Jornalistas condenou o episódio de agressão a profissionais da imprensa. "Repudiamos todas elas e pedimos o apoio da sociedade ao jornalismo e aos jornalistas", diz o texto.

"Esses atos violentos são mais graves porque não há, de parte do presidente ou de autoridades do governo, qualquer condenação a eles. Pelo contrário, é o próprio presidente e seus ministros que incitam as agressões contra a imprensa e seus profissionais", afirmou a Associação Brasileira de Imprensa em comunicado.