Por que Sobral é, pela quarta vez seguida, a cidade número 1 do Brasil em ranking de educação?

Por Redação DN 23/10/2021 - 08:49 hs
Foto: Divulgação
Por que Sobral é, pela quarta vez seguida, a cidade número 1 do Brasil em ranking de educação?
Especialistas traçam o que leva a bons resultados no município e quais desafios

Sobral é a cidade número 1 do País em um ranking que mede as oportunidades educacionais oferecidas para todas as crianças e jovens dos municípios brasileiros, em termos de acesso à educação básica. Esta é a quarta vez seguida em que o município cearense ocupa a colocação. A repetição de resultados chama atenção, assim como outras cidades que o acompanham - neste ano, o município de Cruz empata no 1º lugar.

Dentre as primeiras colocações do Índice de Oportunidades da Educação Brasileira (Ioeb), as nove primeiras são ocupadas por cidades do Estado. Contando-se os 20 primeiros lugares, o Ceará ocupa 18 posições - o ranking foi elaborado com a avaliação de 5.126 municípios do Brasil.

Os indicadores atuais aqui se baseiam em levantamentos até ano de 2019, portanto, sem considerar o tempo de pandemia - cujo olhar os índices futuros dirão. Mas há uma consistência de números que ainda protagonizam o Ceará.

Com tantas cidades cearenses no topo da lista, como Sobral, a principal cidade da Região Norte, consegue se destacar na educação? O município alcançou as seguintes notas no Ioeb nos últimos anos (os resultados são divulgados a cada dois anos): 6,1 em 2015; 6,2 em 2017; 6,6 em 2019 e; 6,7 em 2021.

O Secretário de Educação de Sobral, Herbert Lima diz, que o resultado do município se deve a um trabalho consistente em vários pilares da educação, bem como o empenho dos profissionais envolvidos.

“É um motivo de muita honra para todos nós esse resultado. Ao mesmo tempo, é de muita responsabilidade. É a continuidade de um trabalho que tem duas décadas e meia. Desde 1997, Sobral tem feito reformas profundas na sua política educacional, que fez o município superar desafios”, afirma o gestor.

Ele ainda aponta entre os pilares a seleção pública de profissionais, mediante melhores resultados; a política formação continuada de professores, para a qual existe uma escola que oferece qualificação o ano inteiro; e as políticas de valorização do magistério, não só para o acompanhar o desempenho do professor, como criar mecanismos de valorização do seu trabalho.

"Criamos mecanismos para, ao chegar em sala, o professor tenha meios para oferecer uma aula de muita qualidade”, reforça o secretário Herbert Lima.

Dever de casa

“É preciso comemorar os bons resultados, mas não podemos esquecer que temos um déficit tão grande, sobretudo, na educação básica no País, que quando um município faz o seu dever de casa ele já se sobressai entre os comuns. Os índices refletem uma ‘corrida boa’, mas nunca irão abarcar toda a realidade, muito mais complexa”, explica o sociólogo Ripardo Nogueira, especialista em Educação pela Universidade Estadual do Ceará.

“Mesmo assim, é preciso observar o que eles estão fazendo: não há resultado consistente sem investimento no equipamento escolar e na qualificação do professor”, acrescenta.

Cléber Rodrigues, diretor escolar em Sobral, aponta o planejamento semanal com professores como uma das importantes ferramentas para manter a preocupação constante com a aprendizagem. “É um trabalho constante de reavaliação do que foi feito na semana anterior, se o que foi proposto reverteu em prendizado”.

Para o professor Jackson Braga, da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará (UFC), o desenvolvimento passa por um esforço de gestão, mas a qualidade vai também em relação ao que o aluno corresponde no seu dia a dia.

“Notamos que há uma desigualdade social muito grande, isso impede a aprendizagem. Naquelas escolas em que o aluno tem uma assistência pedagógica, em que a instituição funciona no turno contrário, garantindo, entre outras coisas, a nutrição, elas serão boas tanto para professores quanto para os alunos.

Evasão escolar

Integrante do laboratório de análise de dados e economia da educação (Educlab) e professora do curso de Ciências Econômicas no campus da UFC em Sobral, Alesandra Benevides reconhece a importância da melhora dos índices no Ceará, mas recomenda cautela, atentando para a evasão escolar no Estado, que vem aumentando nos últimos anos, conforme aponta o Censo Escolar 2020.

“Uma coisa é ter bons resultados com pouca criança em sala de aula, outra é ter esses mesmos bons resultados com muita criança em sala de aula”, adverte, já preocupada com o que os resultados futuros mostrarão em relação ao período de pandemia, em que a comemoração de bons índices hoje refletem menos o presente do que apontarão os indicadores futuros.

A pandemia no meio do caminho

Assim como todas as cidades no mundo, Sobral viu-se desafiada a manter o ensino em meio ao distanciamento social. Enquanto os estados ainda avaliavam o que fazer, o município antecipou-se na entrega de kits alimentícios para todos os alunos e material didático aos estudantes sem conexão de internet para o ensino remoto.

“Logo que tivemos que interromper as aulas presenciais, iniciamos série de ciclos de formação continuada de professores, com uso de tecnologias. Fizemos, ainda, formação com especialistas de dentro e fora do País, equipamos os laboratórios, construímos oito novas escolas e adaptamos as salas de aula para protocolos sanitários”, explica Herbert Lima.

Atualmente, enquanto o município está há 80 dias sem registrar óbitos por Covid-19 e há dois meses do retorno presencial gradual, a Secretaria de Educação se prepara para a volta das aulas 100% presenciais.

“ A pandemia escancarou a questão das oportunidades e desigualdades educacionais. A rede pública não tinha condições de fornecer, por exemplo, aulas a distância com mesma qualidade. E mesmo que tivesse boa oferta, como está sendo essa recepção das crianças, sobretudo em lugares remotos?”, questiona Alesandra Benevides, do laboratório de análise de dados e economia da educação (Educlab), em Sobral.

O professor Jackson Braga reforça que não é possível falar de bons índices educacionais sem contextualizar as preocupações com dois anos letivos em meio às medidas provocadas pela Covid-19.

“A pandemia se mostrou uma espécie de binóculo. Ampliou a nossa capacidade de ver a desigualdade e as condições reais de acesso à escola. É notório que numa mesma sala de aula a maioria sequer tinha condições de acompanhar a aula remota durante uma manhã completa na residência, seja porque alguém precisava do celular ou os dados móveis não eram suficientes. Sem contar no esgotamento por parte dos professores”, explica.

Os próximos passos a partir de agora

O que fazer de agora em diante pela educação, enquanto acompanhamos o retorno gradual das aulas presenciais? Quais os primeiros passos a serem dados por um gestor frente aos últimos desafios? Os especialistas em educação, que acompanham os indicadores e especialmente as realidades em sala de aula, apontam o que deve ser os primeiros atos de gestão a partir de situações evidenciadas pela pandemia de Covid-19.

“As escolas precisam seguir dois caminhos. Um está na estrutura, que são os recursos para que o aluno tenha todas as oportunidades que qualquer outra criança na mesma idade no município; a outra questão é o acolhimento socioemocional. Os estudantes, muitas vezes, se sentem mais afastados, isolados, então eles precisam ser acolhidos nessa volta”", afirma Alesandra Benevides.

Segundo ela, o desempenho socioemocional impacta diretamente no desenvolvimento da aprendizagem da criança. “E quando falo em recursos, muitas vezes são situações mínimas, e passa pela informação. Um pai, uma mãe, precisam saber que ler para o filho ajuda no desenvolvimento”.

O especialista Jackson Braga defende o retorno para a escola com segurança, obedecendo protocolos sanitários, mas sem a pressão para a volta em sua integralidade. “Isto é ruim. O melhor retorno é o retorno seguro, paulatino, de maneira que o professor tenha condições de acolher, pois ao retornar para sala, o aluno traz consigo uma apreensão de volta da rotina de provas, os estudos atrasados. Já começamos com defasagem e vamos cobrar dos alunos o que eles não podem oferecer?”.

“Um importante passo que os gestores devem dar”, acrescenta Braga, “é cuidar dos professores. Focar na saúde do professor, pois eles estão muito sobrecarregados e precisam estar bem acolhidos para acolher os alunos. Além disso, não observamos um aumento da quantidade de professores, de concursos no Estado. Somente um professor motivado, e uma escola com mais educadores, o acolhimento vai se tornar verdadeiro. Não se trata de uma questão financeira, mas de uma abordagem psicológica, administrativa, de maneira que a escola se torne um local prazeroso, da alegria e do retorno saudável, não de um retorno fechado e de obrigação da rotina”.

Alesandra Benevides, professora do curso de Ciências Econômicas da UFC e especialista em temas educacionais, reforça: “obviamente pensamos nas crianças como a parte mais frágil, mas o professor está sendo cobrado também, eles estão se desdobrando. Então as escolas precisam se preparar para o acolhimento ao professor. O professor se sente apto a passar a atenção para a criança, de forma prazerosa? Se sim, as crianças que estudam com ele vão ganhar muito mais. E assim, a garantia de recursos e o acolhimento socioemocional irão fazer a diferença positivamente na educação”.

DN