Como Hitler morreu há 80 anos e por que houve tanto mistério sobre destino final de seu corpo
"Os nazistas usaram tanto a mentira como parte da
sua política e os relatos sobre os supostos dublês de Adolf Hitler são tão
disseminados que estes anúncios deixarão, em muitas mentes, a suspeita de que o
mestre da mentira tenta cometer uma grande fraude final perante o mundo, em um
esforço para se salvar."
Esta advertência foi publicada pelo jornal The New York
Times há 80 anos. E se concretizou.
A impressionante notícia da morte de Adolf Hitler
(1889-1945) e do fim iminente da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) foi
recebida com uma incredulidade que duraria décadas.
A rádio de Hamburgo anunciou a morte do líder nazista na noite de 1º de maio de 1945. A emissora detalhou que ele teria morrido naquela tarde, "no seu posto de comando na Chancelaria do Reich, lutando até seu último suspiro contra o bolchevismo e pela Alemanha". Mas o correspondente do The New York Times noticiava no dia seguinte:
"Os presos políticos alemães com quem conversei, de
forma geral, não acreditam na informação. Eles suspeitam que haja um artifício
por trás do anúncio. Hitler havia sido tão inescrupuloso que alguns acreditam
que ele seria incapaz até de morrer honestamente."
E, de fato, aquela
notícia encerrava diversas mentiras.
As muitas mortes de Hitler
Reich de 1.000 anos prometido por Hitler chegou ao fim após 12 anos — Foto: Getty Images via BBC
Com a ocupação soviética da capital alemã, Berlim, surgiram diferentes versões sobre o ocorrido. As várias histórias se alternavam e se contradiziam.
No dia 3 de maio de 1945, o Exército Vermelho da União Soviética informou que Hans Fritzsche (1900-1953), segundo em comando do Ministério da Propaganda nazista, havia declarado que o ministro da Propaganda, Joseph Goebbels (1897-1945) e Hitler haviam se suicidado no bunker do líder nazista, na sede da Chancelaria em Berlim.
Naquele mesmo dia, uma emissora de rádio de Paris
anunciou ter recebido relatos de que o Führer havia sido assassinado na noite
de 21 de abril, depois de uma discussão com seus próprios generais sobre a
conveniência de manter a guerra.
As versões se multiplicaram com o passar dos dias. A
agência de notícias japonesa Domei informou que Hitler havia morrido durante um
ataque de artilharia soviético sobre sua residência.
Um despacho da agência de notícias UP mencionava um
ex-funcionário de alto escalão do Ministério das Relações Exteriores nazista,
que acreditava que Hitler havia morrido vários dias antes. Ele teria sofrido
hemorragia cerebral e sido levado para a capital alemã, para morrer como herói.
"Podem estar certos de que o corpo de Hitler não
será descoberto", profetizou ele.
As tentativas de
encontrar o cadáver, aparentemente, não tinham sucesso.
No dia 4 de maio, a imprensa soviética indicou que o Exército Vermelho não havia conseguido encontrar o corpo de Hitler na sede da Chancelaria alemã, onde ficava seu escritório. Isso porque o edifício estava em chamas e suas estruturas estavam à beira do colapso.
Dois dias depois, os soviéticos afirmaram terem encontrado uma grande quantidade de cadáveres na Chancelaria, mas nenhum deles era de Hitler, nem de Goebbels.
"Entre os russos, persiste a crença de que a
informação sobre suas mortes é outro truque dos nazistas e que Hitler e seus
subordinados estão vivos e escondidos", destacava a agência AP, da então
capital soviética, Moscou.
No dia 8 de maio, um general soviético anunciou a
descoberta, nas ruínas de Berlim, de um corpo baleado que foi identificado como
Hitler por membros do seu próprio corpo de serviços domésticos. Mas um
motorista assegurava que aquele era o cadáver de um dos cozinheiros que também
trabalhava como "dublê" do Führer.
Em junho de 1945, autoridades soviéticas informaram que
os restos mortais de Hitler não haviam sido encontrados. Por isso,
provavelmente, ele ainda estaria vivo.
Naquele mesmo verão do hemisfério norte, começaram a
circular informações dando conta de que o líder nazista havia sido visto em
diversos lugares, muito distantes entre si.
"Surgiu a informação de que Hitler estava morando como ermitão em uma caverna, perto do lago de Garda, no norte da Itália. Outro relato dizia que ele, agora, era pastor nos Alpes suíços", segundo os historiadores Ada Petrova e Peter Watson, no livro The Death of Hitler ("A morte de Hitler", em tradução livre).
"Uma terceira versão indicava que ele era croupier em um cassino de Évian (França). Ele foi visto em Grenoble e St. Gallen (Suíça) e até no litoral da Irlanda."
Em julho de 1945, as
autoridades americanas interceptaram uma carta que garantia que Hitler morava
em uma fazenda na Argentina, a cerca de 700 km da capital, Buenos Aires. O caso
chegou às mãos do então chefe do FBI, J. Edgar Hoover (1895-1972), que acabou
descartando a informação.
O erro soviético
Refugiados Judeus na Alemanha Nazista — Foto: BBC
Após
o sucesso da ofensiva contra Berlim, em abril de 1945, as forças soviéticas
assumiram o controle do refúgio do Führer na sede da Chancelaria alemã.
No dia 2 de maio de 1945, membros do serviço de
contrainteligência soviética (conhecido como Smersh) lacraram o jardim da
Chancelaria e o bunker onde o líder nazista estava instalado desde janeiro,
quando o Exército Vermelho avançou sobre a Polônia, rumo à Alemanha.
A operação de busca do corpo foi realizada com o mais
absoluto segredo – a ponto de, segundo o historiador Anthony Beevor, negar o
acesso ao próprio marechal Georgy Zhukov (1896-1974), comandante das forças
soviéticas que realizaram o ataque a Berlim. O argumento era que "o local
não era seguro".
Paralelamente, foram iniciados os interrogatórios de
todas as pessoas que puderam ser identificadas. Segundo Beevor, Moscou
acompanhava o processo com muita atenção e interesse.
"[Josef] Stalin [1878-1953] estava tão desesperado
para receber notícias que um general da NKVD, antecessora da KGB, foi enviado
para supervisionar os interrogatórios", contou Beevor em um artigo
publicado no The New York Times.
"Ele recebeu uma linha telefônica segura com
codificador, para poder informar Moscou após cada entrevista."
No dia 5 de maio, os
agentes do Smersh encontraram os corpos de Hitler e de sua esposa Eva Braun
(1912-1945). Eles estavam enterrados em uma cova aberta por uma bomba, no
jardim da Chancelaria.
Os cadáveres haviam sido pulverizados com gasolina e
estavam parcialmente queimados. O corpo de Hitler era difícil de reconhecer e,
por isso, sua mandíbula foi retirada no necrotério para tentar identificá-lo
pela sua arcada dentária.
A identificação pôde ser feita poucos dias depois,
quando os soviéticos localizaram a assistente do dentista do Führer, Käthe
Heusermann (1909-1995). Ela forneceu o histórico médico e demais dados
necessários para confirmar que, de fato, se tratava do corpo do líder nazista.
Posteriormente, em 1973, um estudo de odontologia forense ratificou que o cadáver recuperado era realmente de Adolf Hitler.
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"A estratégia de Stalin, evidentemente, era associar o Ocidente ao nazismo e fazer ver que os britânicos ou os americanos o deviam estar ocultando", escreveu Beevor no seu livro Berlim 1945: A Queda (Ed. BestBolso, 2015). Para o historiador Luke Daly-Groves, da Universidade de Leeds, no Reino Unido, aquela foi uma jogada política do dirigente comunista.
"Ele sabia que os soviéticos haviam encontrado os restos do Führer, enquanto dizia que Hitler poderia ter escapado para a Espanha ou para a Argentina", escreveu ele, na revista New Statesman. "Mas, dizendo isso, ele ajudava a enfraquecer seus adversários políticos e fortalecia sua posição nas disputas territoriais."
Por fim, a derrota do nazismo abriu as portas para o início da Guerra Fria (1947-1991).
Moscou contava com uma grande vantagem para defender sua
versão. Afinal, os soviéticos tomaram e assumiram o controle exclusivo de
Berlim, de maio até o início de julho de 1945, quando foram estabelecidas as
zonas de ocupação.
Além disso, eles detiveram e mantiveram cativos por
vários anos diversos sobreviventes do bunker, como o camareiro de Hitler, Heinz
Linge (1913-1980); seu assistente de campo, Otto Günsch (1917-2003); e seu
piloto, Hans Baur (1897-1993).
Durante suas tentativas de ocultar a verdade, os
soviéticos detiveram secretamente Heusermann, a assistente do dentista que
ajudou a identificar o cadáver. E, depois de seis anos em isolamento, eles a
condenaram por ter participado voluntariamente do tratamento odontológico do
Führer.
Os restos mortais de Adolf Hitler permaneceram aos
cuidados da unidade Smersh que os encontrou. E, cada vez que ela mudava de
local, os restos eram levados junto.
O corpo chegou a ser enterrado em um bosque perto de
Berlim, depois na cidade de Rathenow (no Estado de Brandemburgo) e, por fim, em
uma base instalada pelo soviéticos em Magdeburgo, na região centro-leste da
Alemanha, em 1946.
Foi apenas em 1968 que um livro escrito pelo jornalista e agente de inteligência soviético Lev Bezymenski, que participou do ataque final a Berlim, publicou detalhes sobre os arquivos de Moscou sobre Hitler e sua autópsia.
E, em 2009, a Rússia informou que os restos mortais de Hitler foram incinerados em 1970. As cinzas foram lançadas no rio Biederitz, na Alemanha, para evitar que seu túmulo se transformasse em um santuário nazista.
O então chefe da KGB, Yuri Andropov (1914-1984),
recomendou a medida quando a União Soviética concordou em transferir para a
antiga Alemanha Oriental o controle da base de Magdeburgo.
Mas Moscou conservou, na sede da FSB (sucessora da KGB),
a mandíbula com a arcada dentária de Hitler, além de um fragmento do seu crânio,
no Arquivo do Estado.
Entre o veneno e a bala
Imagem de Adolf Hitler encontrada em Buenos Aires, na Argentina — Foto: Natacha Pisarenko/ AP
O
historiador britânico Hugh Trevor-Roper (1914-2003) trabalhou como oficial de
inteligência durante a Segunda Guerra Mundial. Ele foi encarregado de
investigar a morte de Hitler.
Seu relatório, apresentado em novembro de 1945, afirma
que o Führer se suicidou perto das 15h30 do dia 30 de abril de 1945, ao lado de
Eva Braun, com quem havia se casado no dia anterior.
Ele tirou a própria vida atirando com uma pistola na
boca e ela havia ingerido uma cápsula de cianureto.
O livro de Bezymenski colocou em dúvida esta versão. Ele
menciona que "faltava uma parte do crânio" no cadáver de Hitler.
Em 2016, os jornalistas Jean-Christophe Brisard e Lana
Parshina tiveram acesso parcial e controlado aos arquivos de Estado da
Federação Russa, bem como a arquivos militares e da polícia secreta
relacionados ao caso.
Eles informaram que, nos dentes de Hitler, foram
encontrados pedaços de vidro, o que sugere que ele teria tomado cianureto. E
colocaram em dúvida se ele havia se matado com um tiro.
Em entrevista ao jornal Times of Israel em 2018, Parshina declarou que o líder nazista dava mostras de sofrer de Parkinson nos seus últimos dias. Por isso, ele se perguntava como ele teria conseguido disparar em si próprio com a mão direita nestas condições.
Já Brisard destacou que não foram encontrados restos de bala na boca de Hitler. Mas ele acredita que o líder nazista possa ter pedido a alguém de confiança – como seu assistente, Heinz Linge – que lhe desse o tiro de misericórdia depois de tomar o veneno.
Outras versões sugerem que ele teria se suicidado
ingerindo veneno e, em seguida, atirando na própria têmpora.
De qualquer forma, a maioria dos especialistas concorda que o cadáver encontrado pelas forças soviéticas é o de Adolf Hitler – e que a versão fornecida pela rádio de Hamburgo, naquele dia 1º de maio de 1945, incluiu dois erros fundamentais.
O líder nazista não havia morrido naquele dia e, o mais importante, a morte não ocorreu em combate.
g1
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