Em live, Bolsonaro divulga chás sem eficácia provada contra covid

Foto: Ricardo Manhaes
Em live, Bolsonaro divulga chás sem eficácia provada contra covid
Chá das cinco

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) voltou a defender o uso de substâncias sem comprovação científica de eficácia contra a covid-19 e chegou a afirmar que "tem cura para a covid", o que não é verdade. Bolsonaro também omitiu dados do desemprego no Brasil ao destacar números de criação de vagas de trabalho. As declarações foram dadas durante live transmitida hoje (27) em seu canal no YouTube.

"Foram três momentos com os índios balaios, ianomâmis, eles falaram que tomavam chá disso daqui, saracura, carapanaúba e jambu, e ficaram livres da covid. (...) Então, pessoal, tem cura pra covid? Tem, pô."

Presidente Jair Bolsonaro em live semanal

Não há qualquer substância que tenha eficácia comprovada para prevenção ou tratamento precoce da covid-19. Há medicamentos que controlam sintomas, como febre. Algumas substâncias vêm sendo usadas em casos de pacientes hospitalizados, como o rendesivir, cujo uso é autorizado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e o corticoide dexametasona. Esta reportagem do UOL publicada em março traz mais detalhes sobre medicamentos que continuavam sendo testados e outros que comprovadamente não funcionam contra o coronavírus.

"Eu tive um sintoma igualzinho ao que eu tive da primeira vez que eu fui infectado. O que eu fiz? Tomei aquilo [cloroquina]. E ponto final. E depois fui fazer o exame. Não deu nada. (...) O que eu tomei, pessoal toma aqui direto na Amazônia, sem receita médica, toma para combater a malária."

Presidente Jair Bolsonaro em live semanal

Como tem feito nas últimas semanas, o presidente fez uma menção velada à cloroquina. Em outubro, a OMS publicou que havia evidências conclusivas da ineficácia da hidroxicloroquina para a covid-19. Além disso, desde dezembro, tanto a cloroquina como a hidroxicloroquina são inclusive contraindicadas pela OMS para pacientes da doença. A maioria dos fabricantes brasileiros de cloroquina não recomenda o remédio para covid-19.

"Aquilo que eu tomei para covid não mata"
Presidente Jair Bolsonaro em live semanal

Segundo a OMS, além da ineficácia contra a covid-19, a hidroxicloroquina tem uma série de efeitos colaterais de diversos níveis de gravidade. O medicamento pode aumentar o risco de diarreia e náusea/vômito, o que "pode aumentar o risco de hipovolemia [níveis baixos de plasma no sangue], hipotensão e danos agudos aos rins, especialmente em condições onde os recursos para o tratamento são limitados".

Em suas diretrizes, a OMS também afirma que ainda é incerta a possibilidade de a cloroquina intensificar o risco de arritmias cardíacas nos pacientes.

Em seu site, a Anvisa também destaca que não há comprovação científica sobre o tratamento com cloroquina contra a covid-19 e que não recomenda a utilização do medicamento em pacientes infectados ou como forma de prevenção à contaminação pelo novo coronavírus.

Boletim de Farmacovigilância nº 14 da Anvisa, de janeiro de 2021, reúne diversos estudos que apontam riscos de efeitos adversos no uso da cloroquina e da hidroxicloroquina, especialmente quando somadas à ingestão da azitromicina, outro medicamento do "kit covid", defendido pelo governo em diversas ocasiões.

"Nesse último mês de abril, foram 120 mil novos empregos. Terminamos 2020 com mais empregos do que em dezembro de 2019. E começamos esse ano, estamos nos aproximando --janeiro, fevereiro, março e abril-- de quase 1 milhão de empregos criados com carteira assinada."
Presidente Jair Bolsonaro em live semanal

Os números positivos citados pelo presidente são verdadeiros, mas não refletem que a taxa média de desemprego no primeiro trimestre de 2021 chegou a 14,7%, a pior para o período desde 2012, quando começa a série histórica do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). A fala do presidente também não explica que, apesar do saldo positivo ao fim de 2020, o Brasil ainda não tinha conseguido recuperar, até aquele momento, os empregos perdidos na pandemia.

UOL mostrou em março que o governo tem comemorado números de criação de empregos, mas omite que o método de coleta de dados mudou em 2020. Por isso, não é possível comparar os dados com os de períodos anteriores a essa mudança.

"Obviamente, a gente não poderia comprar uma vacina sem passar pela Anvisa e sem um contrato razoável. Em 10 de março, eu sancionei um projeto de lei (...), e a partir daquele momento nós pudemos comprar efetivamente a Pfizer, que tinha então uma lei para isso."
Presidente Jair Bolsonaro em live semanal

Não é verdade que o governo só pode comprar vacinas após elas serem aprovadas pela Anvisa. Em junho de 2020, o Ministério da Saúde fez um acordo para produzir a vacina de Oxford, segundo consta no site do governo. A eficácia do imunizante só foi confirmada em dezembro e sua aprovação pela Anvisa para uso emergencial ocorreu em janeiro de 2021.

Em março deste ano, o então ministro da Saúde Eduardo Pazuello anunciou a compra de 68 milhões de doses de vacinas sem aprovação da Anvisa: Covaxin, Sputnik V e Janssen. Das três, apenas a Janssen já teve o uso emergencial aprovado após o anúncio de Pazuello.

O argumento de que o governo só pode adquirir as doses após aprovação da Anvisa já foi utilizado pelo presidente em outras ocasiões, inclusive na live do dia 13 de maio. O Projeto Comprova, do qual o UOL faz parte, já desmentiu boato de que a recusa inicial das ofertas da Pfizer foi uma tática do governo para adquirir um contrato melhor.

"[A Argentina] É o país com maior número de mortes [por covid-19] por milhão de habitantes."
Presidente Jair Bolsonaro em live semanal

A declaração do presidente é imprecisa. A Argentina tem registrado uma taxa elevada de mortalidade por covid-19 em comparação a outros países e já chegou a ser a nação com mais mortes diárias por milhão, segundo o site Our World In Data, que compila dados de fontes oficiais de todo o planeta. No dia 18 de maio, a Argentina registrou 16,46 mortes por covid-19 por milhão de habitantes, a taxa mais alta do mundo naquele momento.

No entanto, o dado mais recente, do dia 26, mostra outros países sul-americanos com letalidade acima da Argentina (11,77 mortes diárias por covid-19 por milhão), como o Uruguai (14,11) e o Paraguai (15,42). O Brasil não fica muito atrás (11,28).

Se considerado o total de mortes por covid-19, o Brasil tem mais mortes por milhão (2.137,89) do que a Argentina (1.672,46). Até ontem, o país com maior letalidade por milhão de habitantes era a Hungria (3.066,35).

"No coração da Amazônia não pega fogo, floresta úmida não pega fogo"
Presidente Jair Bolsonaro em live semanal

Bolsonaro repetiu durante a live o argumento que usou na 75ª Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), em setembro de 2020. A declaração engana ao não reconhecer que o avanço do desmatamento e dos incêndios na região têm contribuído para uma redução significativa da umidade, mesmo no interior da floresta, um fenômeno para o qual pesquisadores têm tentado chamar a atenção.

Um estudo publicado pela na revista científica "Internacional Ecosystems", feito com base em imagens de satélite dos últimos 40 anos e análises em campo, revelou a expansão do processo de "savanização" da floresta amazônica, devido ao desmatamento. Segundo a pesquisa, mesmo as regiões mais isoladas da floresta têm se tornado mais vulneráveis ao fogo nos últimos anos.

Apesar de admitir a existência de incêndios criminosos na região, Bolsonaro voltou a defender que parte significativa dos focos de incêndio é proveniente da agricultura de subsistência. A fala omite dados importantes sobre a origem das queimadas.

"Tem ilícito? Tem. Tem foco criminoso? Tem. Outros não são, é o próprio ribeirinho que taca fogo, o índio, senão ele vai morrer de fome no ano seguinte", disse o presidente.

Segundo dados da Nasa, baseados nas imagens de satélites da agência espacial norte-americana, o maior criador de focos de incêndio na região amazônica é o desmatamento. Em nota técnica, o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) também destaca que apenas 8% das queimadas ocorrem em terras indígenas.