À espera de um desastre: como parte de Maceió ficou prestes a afundar

Por Redação OP+ 06/12/2023 - 14:04 hs
Foto: Inês Campelo
À espera de um desastre: como parte de Maceió ficou prestes a afundar
Marco Zero Conteúdo Mina de sal-gema controlada pela empresa Braskem entra em colapso na cidade

O subsolo de Maceió foi perfurado por mais de 40 anos para exploração de sal-gema, com a devida licença do poder público. Uma atividade historicamente danosa, que chegou ao seu limite. Um pedaço da cidade com 14 mil imóveis agora está afundando. Tudo para extrair um produto que é matéria-prima de muita coisa utilizada no dia a dia doméstico ou industrial.

O colapso de agora na capital alagoana, com cerca de 60 mil pessoas sendo obrigadas a deixar suas casas, já são ecos de sinais emitidos desde 2018, quando os primeiros tremores (de magnitude 2,4 mR - escala regional) foram registrados e imóveis apresentaram rachaduras, trincas e fissuras.

O solo se movimentou verticalmente com o volume de escavações. Está instável e de lá pra cá só piorou. Cinco bairros estão formando a chamada área crítica: Pinheiro, Mutange, Bebedouro, Bom Parto e Farol. No último dia 29, após uma sequência de tremores na área da mina 18, no bairro Mutange, a Defesa Civil de Maceió disparou o alerta. Como a desocupação já vinha sendo realizada gradualmente, os imóveis ainda habitados precisaram ser desocupados às pressas.

Agora é a região dos “bairros fantasmas”. Ninguém mora, ninguém passa. Pela inclinação do terreno, a lagoa do Mundaú, que fica ao lado, pode causar inundações em grandes faixas de terra. Não há perspectiva de quando as pessoas poderão voltar para suas moradas e ocupações na mesma região. Se é que voltarão. A iminente catástrofe socioambiental não tem precedentes. Nesta terça, 5, Maceió completou 208 anos sem festa de aniversário, tensionada pela situação.

Na manhã de ontem, a Defesa Civil de Maceió havia confirmado o “alerta máximo”, porém no início da tarde atualizou que o nível havia sido baixado para “alerta”, diante das condições anotadas no monitoramento.

“O deslocamento vertical acumulado da mina n° 18 é de 1,86m e a velocidade vertical é de 0,27 cm por hora, apresentando um movimento de 6,2 cm nas últimas 24 horas, sendo que já foi de até 5 cm por hora às 23h53min no dia 29”, aponta nota do órgão.

O alerta tem dois níveis de criticidade: "00" para retirada imediata dos moradores; e "01" para faixas que seguem sendo monitoradas. Nem pessoas nem embarcações podem circular ou navegar na área, "até uma nova atualização da Defesa Civil, enquanto medidas de controle e monitoramento são aplicadas para reduzir o perigo".

Desde que se desenhou a crise, os governos Federal, o Estado de Alagoas e a Prefeitura de Maceió mantêm um grupo permanente para efetivar medidas emergenciais e de contenção. O presidente em exercício, Geraldo Alckmin (PSB), autorizou um empréstimo de US$ 40 milhões para a administração da capital alagoana.

O sal-gema é obtido a grandes profundidades. Nas escavações de 1.000 a 1.200 metros abaixo da superfície, jatos d'água são disparados sobre as jazidas. Quando escorre a salmoura, a espuma formada pela água injetada na rocha, é lá que está o produto. O cloreto de sódio (sal) vem misturado a outros minerais, numa composição que descende de porções do oceano, formada em milhares de anos.

Antes, a extração de quatro décadas, iniciada em 1979, foi operada pela Salgema Indústrias Químicas S/A, que viria depois a se tornar a Petroquímica Braskem. Pelo menos 35 minas eram exploradas. Em 2019, após estudos e laudos do Serviço Geológico do Brasil (SGB), que apontaram a saturação da atividade, a operação da Braskem foi paralisada.

Com um termo de ajustamento de conduta à época, foi protocolado na Agência Nacional de Mineração um plano para o fechamento da mina. A Defesa Civil iniciou um serviço de monitoramento de áreas mais críticas e o preenchimento das cavidades. O Ministério Público ajuizou naquele mesmo ano uma ação civil pública para cobrar responsabilizações.

Desde 2018, a Braskem já recebeu pelo menos 20 autuações por danos nos bairros afundados. Nesta terça, o Instituto do Meio Ambiente de Alagoas aplicou multa de R$ 72 milhões à empresa. A penalidade foi porque a mineradora teria informado com atraso sobre "anormalidades"nas operações de monitoramento do solo. A Braskem cancelou, nessa segunda-feira, apresentação que faria na Conferência de Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas (COP28), em Dubai (Emirados Árabes Unidos).

A Braskem aposta que as movimentações do solo possam ser de "acomodação gradual" e estabilização do terreno ou a "acomodação abrupta", com o terreno colapsado completamente. Também pela inclinação, há projeções de que a Lagoa do Mundaú pode receber mais água do mar e vir a se tornar salgada, com impactos na fauna e flora.

Há mais sal-gema na rotina do que muitos de nós nem sabemos. Com ele, a indústria química faz pasta de dente, soda cáustica, polímeros sintéticos (PVC - para canos ou roupas), cloro, detergente, bicarbonato de sódio, papel e celulose, vidro, sabão. O sal rosa, mais usado em pratos da cozinha gourmet, é um tipo de sal-gema, diferente do sal marinho mais usual nos pratos brasileiros.

Vista aérea do terreno afundado em um terreno no bairro Mutange, em Maceió, Alagoas, Brasil, em 1º de dezembro de 2023. A área afetada fica próxima a uma mina de sal-gema e já afundou cerca de dois metros, forçando 55 mil moradores e um hospital para evacuar

Vista aérea do terreno afundado em um terreno no bairro Mutange, em Maceió, Alagoas, Brasil, em 1º de dezembro de 2023. A área afetada fica próxima a uma mina de sal-gema e já afundou cerca de dois metros, forçando 55 mil moradores e um hospital para evacuar

Maceió afunda: moradores cobram transparência e duvidam de informações oficiais

Há anos, moradores de Maceió, capital de Alagoas, convivem com a iminência de um desastre. Áreas de cinco bairros correm o risco de afundar sobre as minas de exploração de sal-gema — minério usado na fabricação de PVC — encravadas no território pela empresa Braskem desde os anos 1970. A situação se intensificou em 2018, quando tremores de terra foram registrados na área. São pelo menos 60 mil pessoas realocadas dos bairros de Mutange, Pinheiro, Bebedouro, Bom Parto e Farol.

A situação chegou ao ápice na semana passada. Foi quando a Defesa Civil de Maceió emitiu alerta de risco de colapso de uma das 35 minas construídas sob as milhares de casas e sob a lagoa Mundaú. Iniciou-se um compasso de espera sobre se — e quando — a estrutura irá ceder e fazer bairros inteiros afundarem. O dado mais recente fala em aceleramento do colapso, com queda vertical de 0,27 centímetros por hora (cm/h).

Moradores dos bairros vitimados pela mineração da Braskem recebem com descrédito as informações relacionadas à condição da mina 18 — que partem da Defesa Civil Municipal, junto à mineradora, com o apoio de alguns órgãos de pesquisa — e que têm sugerido um possível caminho para estabilização do solo no local.

Em meio aos transtornos fundamentados nas informações ”oficiais” por parte do Município, as comunidades atingidas cada vez mais desacreditam nas atualizações postas e levantam dúvida até mesmo sobre se o possível colapso é real ou apenas “um golpe” para acelerar as remoções.

O sentimento de desacreditar em informes oficiais vem sendo uma consequência de um contexto de ausência de informações, negligência ou truculência no tratamento dos órgãos públicos em relação às vítimas, além da constantemente questionada proximidade da Braskem junto aos órgãos — que, apesar de ser a causadora do possível colapso, vem atuando como colaboradora e principal emissora de informações sobre a situação.

Há ainda os desfechos de cada um dos informes, que culminam em mais ações de prejuízo à população dos territórios. Assim, desde a notícia dos abalos sísmicos e possível colapso de uma das minas da Braskem, os moradores têm enfrentado uma via-crúcis com remoção forçada nos bairros do Pinheiro e Bom Parto. Já moradores dos Flexais, que seguem em luta por realocação, foram tomados de surpresa quando, no momento do risco de colapso, se viram diante da proposta da Prefeitura de Maceió de abrigá-los em escolas.

“A população está vivendo dias e noites bem difíceis. Muita gente deixando suas casas com medo e outros que estão sem dormir por conta do Pânico que se alastra sobre essas pessoas aqui nos Flexal de Cima, Flexal de Baixo, quebradas e marques de Abrantes! Infelizmente a palavra terrorismo realmente se enquadra bem onde a justiça não olha para as vidas que aqui estão, e a mídia que apenas publica o que os chefes querem. Os sismógrafos, que sempre mandam alerta aqui nas proximidades, estão sem tocar já há alguns dias”, relata Fabiano, morador há 25 anos dos Flexais.

“As coisas não estão do jeito que a Prefeitura e a Defesa Civil está relatando nas emissoras. Infelizmente as emissoras não estão mostrando toda verdade sobre as famílias que aqui estão nesse sofrimento”, completa.

Já uma moradora do Pinheiro, que teve sua casa devassada por forças policiais na madrugada, durante uma remoção forçada, completa: “É golpe. Foi tudo armação para nos tirar”.

Pesquisadores criticam concentração de dados sobre o desastre

Em um manifesto conjunto, dezenas de pesquisadores da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e de outras instituições de ensino superior do País denunciam a imprecisão e concentração de dados sobre o desastre. Atualmente, a capital alagoana vive sob a iminência do colapso de uma das 35 minas de sal-gema, o que causa uma série de transtornos para moradores das áreas atingidas e do entorno. Há ainda relatos de violência policial e deslocamento na madrugada para escolas improvisadas.

O documento – que também pauta a forma violenta como as comunidades foram tratadas desde que houve ordem judicial de realocação — traz em um de seus focos a denúncia sobre a falta de transparência que seria padrão de conduta do Município.

“Manifestamos nossa denúncia às dezenas de vezes em que foi apontada a necessidade de transparência nas informações, visitas técnicas independentes, relatórios atualizados e inclusão no mapa de riscos e impactações, por meio de pesquisas fidedignas, de áreas impactadas social, ambiental e financeiramente”, detalham no documento.

Os pesquisadores reivindicam a divulgação de informações mais completas acerca da versão 5 do mapa de risco, produzido pela Defesa Civil Municipal, uma vez que, segundo eles, a imagem divulgada pelo Município não é suficiente para haver maior possibilidade de compreensão e, inclusive, possíveis contestações, com a ilustração divulgada — em que sequer dá para enxergar as ruas e suas definições.

No último 30 de novembro, a Justiça Federal determinou, em decisão liminar, a retirada de 27 famílias das áreas de risco no bairro do Bom Parto, após ação civil pública entre Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual e Defensoria Pública da União, a partir da ampliação divulgada pela Defesa Civil Municipal do que nomearam como “mapa em área de monitoramento”.

Segundo o MPF, os órgãos também pediram a divulgação da nova versão do mapa, “devidamente acompanhado do plano de comunicação apto a garantir o direito de informação adequado aos atingidos. As instituições também pediram que a Prefeitura elabore um plano de ações para a devida identificação das vias e equipamentos públicos situados na região e outras situações necessárias”.

Ao ser executada, no entanto, a ação culminou em uma série de transtornos, truculência policial e falta de informação para a população. Sobre este ponto, a nota prossegue: “Manifestamos a extrema necessidade de um plano de contingência democrático, participativo, resolutivo e qualitativo. São centenas de pessoas, famílias que se encontram em remoção involuntária, deslocados ambientais, sem acesso e permanência às condições dignas e baseadas nos pactos internacionais de direitos humanos, dos quais o Brasil é signatário, em casos de desastres ambientais. É criminoso que essas pessoas estejam sendo revitimizadas pelas ações da mineradora e omissão do Estado, município e órgãos do judiciário”.

Demandas por informações mais profundas

Ainda de acordo com a nota divulgada pelos pesquisadores, as últimas informações sobre coleta de dados relativos à criticidade do solo foram repassadas em relatório em março de 2023. De modo que, de lá para cá, nenhuma informação mais aprofundada ou consistente foi divulgada. Além do mais, o mapa de criticidade versão 5, cuja publicação foi exigida pelo juiz, teve uma publicação incipiente, em formato de matéria jornalística.

“O mapa de criticidade, que não recebia atualizações desde dezembro de 2020, e que teve a versão 5 divulgada no dia 30/11/2023 na forma de reportagem, não contempla regiões já identificadas como problemáticas em outros relatórios, o que indica a necessidade da reiteração dos pedidos de divulgação do conjunto de dados referentes ao monitoramento de deformação da superfície obtidos por D-GPS e satélite InSAR, para análises independentes”.

Diversos questionamentos são, então, efetuados. Entre eles: onde se encontra o plano de crise montado pela Prefeitura; quais os impactos e mitigação para fauna e flora diante do colapso; qual monitoramento da fauna aquática; qual raio de segurança de distância para cada mina; como será assegurado o controle social sobre os recursos recebidos pela Prefeitura de Maceió; se haverá indenização devida a todos os afetados, entre outras.

“As respostas a essas questões precisam ser fornecidas à população de maneira clara e técnica, sem o uso de uma linguagem que mascare a realidade vivida desde 1976, acentuada a partir de março de 2018 e vivida diariamente até o presente momento, por meio da subsidência do solo, dos imóveis, da memória e das relações sociais decorrentes da atividade de mineração".

Os pesquisadores alertam, ainda, para o bombardeio de propagandas com o "Braskem Explica", veiculadas pela mineradora que causou a subsidência nos bairros. “Confunde, intriga e adoece a população, pois ao mesmo tempo que as comunidades diretamente atingidas buscam informação pelas mídias, são bombardeadas com a mensagem de que a empresa cuida da cidade. É preciso limitar esse alcance de uma propaganda que visa criar a falsa realidade, beneficiando apenas a empresa".

A Mídia Caeté, que publicou originalmente esta reportagem, entrou em contato com a Prefeitura de Maceió buscando um posicionamento oficial, porém – até a publicação – não houve retorno.

(Material publicado originalmente pela Mídia Caeté, cedido ao O POVO em parceria com a Marco Zero Conteúdo) (Colaborou André Bloc)

Entidades discutem cenário e buscam delimitar influência do fenômeno

Entidades públicas estaduais e nacionais estiveram reunidas ontem para tratar sobre o colapso que assola Maceió. Além de representantes do município e do estado, Paulo Falcão, diretor do Departamento de Obras de Proteção e Defesa Civil Nacional (DOP), esteve no encontro. Segundo ele, o momento serviu para "alinhar as principais informações e dados acerca do problema".

"O foco da reunião estava em buscar discutir os dados, delimitar a influência desse fenômeno", relata o diretor, destacando que "os principais achados" serão encaminhados para os gestores, para "que tomem deliberações".

Falcão está na capital alagoana desde o início dos afundamentos. Ele atua encaminhando dados e atualizações para o Governo Federal, demandando recursos e projetos de contenção.

O diretor do DOP frisa que a área em risco está isolada e destaca que existe uma rede de monitoramento sísmico acompanhando a evolução do evento, garantindo que equipamentos instalados no local vão conseguir capturar "qualquer mudança de cenário", permitindo ações de contenção por meio do município.

"Ainda temos que aguardar a estabilização da área, para que uma vez que se tenha segurança adequada possa se retornar então aquela área para realizar os devidos estudos e avaliações da retomada do plano de fechamento (da mina 18) a partir do diagnóstico realizado", destaca.

"É muito difícil afirmar ou estimar quando pode haver novamente ocupação dessa grande área. Existem muitos aspecto a ser considerados", finaliza. (Gabriela Almeida)


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